Qual foi o garoto pobre do interior que nunca brincou com bonecos de barro, essas peças despretensiosamente criadas pelo ceramista Vitalino Pereira dos Santos e que, a partir da década de 1960, seriam consideradas valiosas obras de arte?

Com certeza, foram poucas as crianças que não tiveram essa experiência.
Tanto que, no decorrer do tempo, dezenas de ceramistas passaram a imitar o mestre e, ainda hoje, os "bonecos de Vitalino" são comercializados na feiras-livres do Estado, especialmente Caruaru. Como brinquedos ou como peças do mais representativo artesanato nordestino.
Mestre Vitalino, que levou toda uma vida modelando barro e tocando pífano, também foi um excelente músico popular. Natural de Caruaru, Vitalino nasceu a 10 de julho de 1909, no Sítio Campos, onde começou a trabalhar com cerâmica aos seis anos de idade e de onde saiu, em 1948, para morar no Alto do Moura.
O mesmo alto que, por conta do trabalho do mestre, depois seria considerado o maior centro de arte figurativa da América Latina. E Vitalino? Bom, o mestre morreu na miséria. Ou, como se diz no interior, morreu na lama.
A morte de Vitalino Pereira dos Santos ocorreu a 20 de janeiro de 1963, na humilde casa onde morava, no Alto do Moura. A causa: varíola. A partir dessa época os bonecos de barro de Vitalino ganharam fama como obras de arte e passaram a percorrer o Brasil e o mundo.
Atualmente, os bonecos de Vitalino estão expostos até mesmo no Museu do Louvre, em Paris. A casa onde ele morou virou museu. Sua vida foi narrada em vídeos, livros e palestras. E, assim, se repetiu uma história muito comum no Brasil: o artista pobre só fica famoso depois que morre.
A trajetória do mestre do barro
Veja, aqui, os principais fatos que marcaram a vida do Mestre Vitalino, conforme estudiosos da arte popular nordestina, entre os quais o pesquisador Alcides Lima:
1915 - Realiza, aos seis anos de idade, o seu primeiro boneco de barro: um gato maracajá trepado numa árvore, acuado por um cachorro e um caçador fazendo pontaria.
1924 - Passa a tocar pífanos e cria sua banda, composta por quatro músicos (veja matéria ao lado).
1960 - Participa, na residência do industrial Drault Hermanny, no Rio de Janeiro, a 29 de outubro, de uma Noite de Caruaru, durante a qual 37 dos seus bonecos são leiloados. Destina a renda para a construção do Museu de Arte Popular de Caruaru.
03/11/1960 - Recebe do Governo da Guanabara a "Medalha Sílvio Romero", atribuída aqueles que contribuem para a divulgação do folclore nacional. Ao agradecer a honraria, diz: "Viva Deus, viva a mãe de Deus e viva quem me deu essa medalha". Nesse mesmo dia, inaugura a Exposição de Arte Popular, promovida pela Escolinha de Arte do Brasil e na ocasião é homenageado.
05/11/1960 - Recebe homenagem de Leopold Arnaud, adido cultural dos Estados Unidos no Rio de janeiro.
1961 - A embaixada do Brasil em Lima, Peru, realiza uma exposição das peças do mestre Vitalino.
16/11/1961 - Doa 250 peças de sua autoria ao Museu de Arte Popular de Caruaru.
"Eu aprendi tocar pela cadência, tirando tudo do juízo"
Além de ceramista e criador dos bonecos de barro, Vitalino também foi um excelente tocador de pífanos. Como não sabia escrever, nunca estudou música e explicava da seguinte maneira sua iniciação nessa área: "Fui apendendo tocar pela cadência, tirando tudo do juízo".
Ele tinha sua própria bandinha (ou zabumba, como também são chamadas as bandas de pífanos), da qual era o pífano principal, mestre e compositor.
A Banda do Mestre Vitalino era igual às outras da região, ou seja, tocava de tudo: acompanhava procissão (Vitalino era devoto de São Sebastião e, claro, do Padre Cícero), anima festas de casamento, batizado e outras.
Nas cerimônias religiosas, o respeito era sanagrado. Mas, nas "farras do mundo" as sopradas no pífano eram intercaladas por uma boa cachaça "pra aliviar o coração".
Em novembro de 1960, Vitalino viajou ao Rio de Janeiro, para participar de uma "Noite de Caruaru", organizada por intelectuais como os irmãos Condé, e levou junto a sua banda.
O objetivo da festa era uma exposição de arte, mas a banda agradou tanto que acabou gravando, nos estúdios da Rádio MEC, seis músicas que em 1975, já depois de sua morte, fariam parte do disco "Vitalino e Sua Zabumba" lançado pela Companhia de Defesa do Folclore Brasileiro.
Apesar de só ter ficado famoso por conta dos bonecos de barro, Vitalino tinha uma grande paixão pela música. Tanto que na sua mais conhecida foto ele aparece tocando pífano.
Mas a maior apego do ceramista era, sem dúvida, com sua terra. Na viagem de volta do Rio de Janeiro, por exemplo, ansioso para chegar em Caruaru, por várias vezes ele pediu a um amigo que perguntasse à aeromoça "quantas léguas faltavam para chegar".
Fonte: PE-AZ