No FIG com Luzilá: Garanhuns, um retrato e um tempo que não vivi

Luzilá Gonçalves Ferreira


por Luzilá Gonçalves Ferreira

Tudo começou com um convite e um retrato. Uma tarde de domingo, meu amigo Augusto Jorge de Mendonça Neto me fez um convite tentador: ia visitar umas primas que há muito não via, umas primas de Garanhuns. Perguntou: queres passar umas horas vendo velhas fotografias? Augusto sabe de meu gosto por documentos que falam do passado, que atestam a existência de pessoas que a história não registrou – ou quase. Que levaram adiante projetos pessoais de vidas, anônimas, mas que ajudaram a construir cidades.


Em meio a fotografias de gente desconhecida, rostos sérios de crianças, senhoras posando ao lado de maridos sisudos, moças de olhar bem comportado, de repente surgiu a imagem de um belo homem, uma foto com data de 1930. A testa larga, feições familiares, a dedicatória anunciava seu nome, o amigo Lupicínio. Curiosa, já pressentindo o que viria, perguntei quem era? Me informaram: era nosso vizinho, casado com dona Almerinda. Comovida, confessei: é meu pai. As primas de Augusto quase choram, e perguntas jorraram, ele ainda vive?, e dona Almerinda, ainda está bonita? Esse retrato foi ela que tirou, e perguntaram pela família, por meu irmão, pelas meninas. E de repente todo um passado de Garanhuns se fez presente diante de nós, e a sala se encheu de personagens, lembranças se amontoaram, as festas cívicas ou religiosas, com desfiles ou procissões pelas ruas da cidade, e tantas moças estudando e tocando piano. E os missionários diretores do Colégio Quinze e os padres do Diocesano, organizando quermesses e festas de fim de ano com recitações, pequenos textos teatrais, e os cultos na Igreja Presbiteriana, dirigidos pelo reverendo Antonio Gueiros, assistidos por seus tantos filhos. A vida da então pequena cidade revivia, e o incêndio da Associação Garanhunsense de Atletismo, a AGA, cantado pela voz ingênua do povo: “Tô te oiando viu, cuidado, não vá dançar na Aga que tu sai queimado”. E se falou do frio de Garanhuns, da garoa que no inverno cobria as sete colinas, do cheiro das árvores no Parque de Eucaliptos, das dálias e hortênsias do Pau Pombo, do Sanatório então recém criado, onde doutor Tavares Correia medicava a ricos e a pobres, uma instituição que honrava a cidade. E foram lembrados os jornais, tantos e tão variados, O Gládio, O Monitor, O Norte Evangélico, O Sertão, testemunhos da vida cultural de uma cidade de interior, ainda pequena mas já tão importante. Ainda menina e ao longo da vida, eu conhecia parte dessas histórias de Garanhuns, a “pequena história” a petite histoire, como dizem os franceses, aquela que dá conta da vida diária de pessoas comuns ou não, de fatos que marcaram o cotidiano da cidade, detalhes que muita gente considera erradamente desimportantes. Garanhuns vivia na fotografia de meu pai como vive hoje nessas lembranças de uma época que se faz distante, de um tempo de que tenho saudade, mesmo sem o ter vivido. Que continua tão vivo no meu coração.